Ela era baixa. Usava óculos enormes que deixavam suas bochechas ainda mais rechonchudas. Cortava o cabelo sozinha porque odiava a cabeleireira da sua mãe. Ela era diferente de todas as gurias, mas não esse diferente que todo mundo quer ser, ela era simplesmente diferente. Tinha uma dobra no pescoço que a principio era estranha, mas se parasse para observar bem, de um forma estranha, era estranhamente apaixonante.
Vivia com camisas xadrez amarradas na cintura. Detestava shorts curtos o tanto quanto detestava politica. Ela gostava de mulheres mais do que gostava de meninos.
Seus pais eram divorciados. Mas ela não usava isso como desculpa para encher a cara e fazer uma tatuagem nova sempre que lhe dava na telha. Ela fazia porque gostava.
Tinha a teoria que algumas pessoas nasciam podres já.
Ele. Ele não a considerava podre.
Ele tinha uns quilos a mais, uns quilos a mais demais. Não a ponto de usar duas cadeiras para se sentar, mesmo que ele sempre dissesse isso quando estava fazendo drama. Como ele amava fazer drama.
Ele tinha um trabalho que odiava. Fazia uma faculdade que odiava. Tudo isso para se poupar das reclamações dos seus pais que amava.
Ele não bebia, não fumava, não fodia. Gostava mais de meninos do que gostava de mulheres.
Não era afeminado, mas não posso dizer que era um poço de masculinidade. Tinha a voz grossa e uma barba que o deixava parecido com um mendigo.
E esse destino meio torto, meio bêbado e meio maluco fez com que eles se apaixonassem pela mesma menina branquela do sorriso amarelado causado pelos cigarros e cafés das madrugadas.
E num dia de porre, o destino os fez sair os dois ao mesmo tempo com a mesma guria do sorriso amarelado.
A situação foi um pouco constrangedora. Enquanto a menina do sorriso amarelo gargalhava para tudo, os dois se suicidavam internamente e 2 segundos depois ressuscitavam só para poder olhar novamente para aquele sorriso amarelo.
A menina do sorriso amarelo encontrou um amigo e sumiu pelo shopping.
Uma hora depois ela não tinha voltado. Os dois trocaram uma palavra ou duas.
Ela começou a rir, ele também.
Ela disse:
- Não é engraçado o quão idiota eu sou?
-Porque diz isso?
- Porque estou saindo com a guria que eu gosto, mas ela nem se importa comigo. Agora estou sentado com um cara estranho que nem conheço e nem sei o que conversar com ele.
- Eu também gosto dela, mas creio que ela não consegue gostar de ninguém.
- Pensei que tu fosse o amigo gay dela.
-Talvez eu esteja cansado de ser apenas isso.
- Ok, agora eu estou confusa.
- Acho que ela não vai voltar. Quer que eu lhe acompanhe até sua casa?
- Se fosse hetero eu diria que estaria querendo me pegar. Mas obrigado. Eu moro logo ali, é perto.
- Tudo bem, eu lhe acompanho. É caminho mesmo.
- Não vai tentar me beijar, não é?
- Relaxa. Poucas meninas conseguem fazer eu deixar de gostar de piroca.
Os dois riram como se fossem amigo há anos.
No caminho conversaram sobre musica. O gusto musical deles era parecido, mas mesmo assim ele insistia em dizer que o gosto dela era meio brega.
Chegando em casa ela foi conferir o Facebook. Uma solicitação de amizade. Era ele.
Ela não tinha parado para reparar o quanto ele era estranho. Mas depois de uns 15 segundos olhando para a foto dele, ela começou acha-lo bonitinho. Uma beleza estranha.
A noite ele puxou assunto da forma mais estranha como se pode puxar assunto: "eu queria conversar com você, mas não tenho assunto. Então, você gosta de paçoca?"
Conversaram atá as 6 da manha e não viram a hora passar. Era hora de trabalhar.
Ela se despediu dizendo:
- você é um cara legal, então por favor, não se apaixone por mim, eu não presto.
-Esse risco eu não corro.
O dia passou.
Ele chegou e foi procura-la online, ela não estava.
Pensou em ligar para ela, mas iria parecer um cara desesperado por um pouco de atenção. Tudo bem que ele era um cara desesperado por atenção, mas ela não precisava saber disso.
Chegou um sms dela pedindo se ele queria dar uma volta.
Foram até a praça. Conversaram sobre trabalho, faculdade (ela ainda estava no ensino médio), família. Quando foram falar de bebida e festas ele disse que nunca havia enchido a cara. Ela ficou surpresa e disse:
- Hoje será sua primeira vez então?
-Minha mãe vai adorar a ideia.
- Relaxa gato, tá comigo, tá com Deus.
-Desde quando Deus é alcóolatra?
- Não reclama e bebe.
Beberam ate meia noite. Ele percebeu a hora e ficou desesperado pensando o que sua mãe deveria estar pensando. Olhou o celular e havia 17 ligações perdidas. Ele ficou desesperado dizendo que tinha que ir pra casa e ela riu dizendo:
- Gato, ta no inferno abraça o capeta.
Ele chegou 4 horas da mãnha em casa, sua mãe foi abrir a porta e ele começou a rir.
Ela disse que no dia seguinte conversariam.
No outro dia ele foi trabalhar e a noite foi pra faculdade e assim seguiu sem ter que ter a difícil conversa com sua mãe.
Nas sextas e sábados a noite continuava a chegar tarde em casa. Nos dias seguintes aos encontros dormia o dia todo.
Ele odiava admitir isso, mas tinha se tornado um pouco dependente daquela garota que ele conhecera há 3 semanas.
Ela não demonstrava nada, mas também havia se acostumado com a presença dele.
Numa sexta ele bebeu um pouco além do que deveria e falou também um pouco além do que poderia falar.
- Sendo você quase um homem e eu quase uma mulher, se hipoteticamente um dia ficarmos, seria um relacionamento gay, lesbico ou hetero?
- Melhor eu te levar pra casa que eu não quero sua mãe na porta da minha casa reclamando que o filho dela foi parar no hospital em coma alcoólico.
Ele se levantou e gritou:
- Você é igual todo mundo, você me trata igual uma criança mimada. Só mais um garoto fresco.
- Quando deixar de se comportar igual uma criança mimada eu deixo de lhe tratar assim.
- VAI TOMAR NO SEU CU.
- Sabe que não gosto disso.
Ele saiu, ela foi atrás e gritou ele. Ele parou em frente á uma árvore. Começou chorar e dizer:
- Porque eu não sou como os outros caras?
- Eu me perguntaria porque os outros caras não são iguais á você.
- Porque ser eu é um porre.
Ela o calou com um beijo. Ele se lembrou de Dom Casmurro: "Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem".
Ela se afastou, ele começou a rir. Ela perguntou:
- Então, se sente gay, lesbico ou hetero?
Ele engrossou a voz.
- Não sei. Tenho que provar de novo.
Então a beijou.
Quando ele parou de beija-la ela disse:
-Você beija igual uma garota.
-Tudo bem, você é sapata mesmo.
- Mais respeito hein, viadinho.
- Vais ver o viadinho.
Ele lhe puxou pela cintura e tascou-lhe um beijo como nunca havia beijado nenhuma outra pessoa. Até parecia homem.
Agora posso lhes dizer que eles se pegaram loucamente e que o próximo dia seria constrangedor.
Na outra sexta feira ela não apareceu. Ele ligou desesperado, ela não atendeu.
Ele chegou em casa e tinha um recado no Facebook: "estou confusa"
Conversaram e combinaram de se ver no sábado.
Ele começou dizendo:
- Sabe, sempre gostei mais de meninos...
Ela o interrompeu:
-Tudo bem, eu tenho um pau de borracha na gaveta.
- Você não perde a oportunidade de me zoar hein?
- Desculpa, força do hábito.
- Seria estranho se namorássemos, não?
-Acho que namoros acabam. Você é meu amigo. Mas não nego que despertas em mim coisas que outras pessoas não despertam.
Se olharam nos olhos, ele a beijou na testa.
Descobriram que se gostavam.
Decidiram ser apenas amigos. Mas sempre que enchiam a cara acabavam se pegando e jogando a culpa na bebida. E por Deus, como eles amavam se embriagar.
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