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Quando eu conseguir trato de ser feliz...


Ele era baixo demais, com espinhas demais, era branco demais, bochechas rosadas demais, gordo demais, usava óculos grandes demais, com seu all star sujo demais e sua boca calada demais. Além de todas essas coisas quais ele era demais, ele era inseguro, um babaca inseguro. E na arte de ser um babaca inseguro, ele se superava e conseguia ser mais inseguro do que qualquer coisa em qual ele já era demais.
Pedro tinha 16 anos, morava com os pais, gostava de lasanha, revista playboy, desenho animado e filmes de terror, ainda tinha medo do escuro. Sua definição de dia perfeito era quando passava o dia jogado na cama com livros nas mãos e fones nos ouvidos. Todos seus dias eram perfeitos.
Sua mãe costumava gritar: 
- Menino, sai desse quarto, vai ficar transparente. Sai pra dar um volta, vá na casa de algum amigo seu.
Pedro não tinha muitos amigos.
Sentava-se no fundo da sala com seu melhor amigo desde os 11 anos, Jonathan, ou John como costumavam chama-lo. 
 John só tinha Pedro e Pedro só tinha John. 
John era gay e isso nunca tinha sido um problema para Pedro, mas era um grande problema para John e apenas Pedro sabia.
Os boatos no colégio sempre rolavam: os dois caras estranhos do fundo da sala que não costumavam conversar e estavam sempre juntos. Convenhamos que realmente era estranho. 
Na segunda as garotas da frente da sala começaram olhar para os dois e soltarem risinhos frouxos. Na terça foram os garotos do meio da sala. Na quarta foi Ricardo, o engraçadinho da sala, cantando.
- Um robocop gay/ Um robocop gay/ Ai, eu sei, eu sei/ Meu robocop gay.
Era incrível como garotos de 16 anos conseguiam ter uma mentalidade mais infantil que menininhos de 6 anos.
Pedro ficou quieto, mas John se sentiu irritado porque tinha certeza que as provocações eram pra ele. Ele não suportava mais ter que se esconder do mundo. Olhou para todos da sala e gritou:
- Sou gay sim, algum problema Ricardo? Está interessado?
Voltou e se sentou ao lado do seu único amigo. Pelo menos ele achava que era. 
- Saia de perto de mim. Seu... seu viadinho!
Tudo bem ter um amigo gay, desde que ninguém soubesse. 
Daquele dia em diante sentava um de cada lado da sala. John se tornou amigo das meninas. Pedro continuou sozinho.
Claro que Pedro sentia falta de John, mas ele era orgulhoso demais para admitir. Agora sentia a necessidade de se encaixar em algum grupo, mas ele era totalmente fora dos padrões “adolescente normal do ensino médio”, nenhum grupo o aceitaria. 
Decidiu que queria uma namorada.
Até tentou puxar assunto com algumas garotas, mas no fim a resposta sem era:
- Ah você é fofinho, mas não rola.
Fofinho era um jeito educado e broxante de dizer que ele era gordo.
Fim do ano chegou e revoltado Pedro passou as férias na academia.
“As meninas vão dar de tudo para ficar comigo, vão brigar por mim, todas irão me querer” pensava ele, pobre Pedro.
 Voltou para o colégio com no mínimo uns 9 kg a menos.
Mas ninguém reparava ainda reparava nele. Pior do que ser odiado por todos é ser ignorado por todos. Pedro era tão insignificante que nem um desgraçado perdia seu tempo lhe odiando.
Pensou que talvez fosse sua pele pálida demais, tomou mais sol até ficar vermelho. Pensou que talvez fossem suas roupas estranhas, comprou novas e continuou invisível. 
Começou a reparar por quem as garotas se interessavam: Os meninos que apareciam no final da aula com seus carros rebaixados e seus braços bombados. Ele sabia quem eram aqueles caras. Eram garotos que haviam abandonado o ensino médio, começado a trabalhar, frequentavam festas e viviam com um baseado na mão. Meninas tem um gosto estranho.
Pedro estava decido, era aquilo que ele queria ser. Sua mãe lhe disse que era loucura abandonar os estudos no último ano do ensino médio, mas valia tudo para ser notado.
E foi o que ele fez, passou o resto do ano trabalhando como mecânico, o tempo que não estava trabalhando passava na academia. Não conversava mais com sua mãe.
Trabalhou por meses, não gastava dinheiro com nada. Finalmente comprou seu carro e ficou com mil e uma prestações ainda pra pagar.
A parte do carro e os braços fortes estavam concluídos, mas ainda não tinha amigos para lhe convidar para festas nem lhe oferecer drogas. Quem diria que para conseguir amigos tu precisavas de amigos para lhes apresentar.
Aos 19 foi morar sozinho e acabou descobrindo que não era tão fácil assim pagar luz, água, aluguel e comida. Passou mais um ano sem vida, vivendo para trabalhar e trabalhando para sobreviver.
Aos 20 decidiu que não queria mais ser virgem. Pegou o salário e correu para pagar uma puta barata qualquer. 
Ela era feia, seus peitos eram caídos e o cheiro dela era uma mistura de cerveja com peixe. Pedro odiava peixe. Lembrava-se de quando sua mãe lhe obrigava a comer peixe porque fazia bem para a saúde. 
Não preciso dizer que ele não gostou muito da experiência, ainda mais quando ela vomitou nos pés dele por estar bêbada demais.
Aos 21 terminou de pagar o seu carro, começou a gastar o dinheiro com bebida. Bebia sozinho mesmo, era uma felicidade solitária, mas ao menos era felicidade.
Começou a ir sozinho para festas e percebeu que quando estava bêbado ele tinha coragem de ir conversar com as pessoas. E melhor ainda, as pessoas acabavam gostando dele.
Comia algumas meninas e alguns meninos nos banheiros sujos de urina com camisinhas jogadas por todo lugar. Ria quando pensava que John gargalharia ao ver essa situação: Ele comendo um menino em um banheiro sujo, ele que o havia abandonado simplesmente por ser gay.
 De manhã quando o efeito da cachaça já havia passado ele acordava sozinho e sem amigos no seu quarto inundado de vômito, apenas a solidão para lhe fazer companhia e lhe oferecer mais uma dose.
Percebeu que as pessoas ainda não gostavam dele, gostavam um pouco de quem ele era quando estava bêbado, que talvez não fosse ele. 
Decidiu que não queria mais aquela vida.
Começou se drogar. Sozinho mesmo, a cachaça já não lhe deixava tão feliz, talvez as drogas resolvessem o problema. Com o tempo não tinha mais ânimo para nada.
Deixou de ir para as festas. Lembrou-se do seu amigo John e na maior cara de pau ligou para ele esperando que ele dissesse “esperei essa ligação por toda minha vida, sejamos amigos como nos velhos tempos”, mas recebeu apenas um belo e merecido “vai tomar no cu”.
Voltou ao seu antigo colégio com seu carro e seus músculos. As pessoas ainda lhe ignoravam.
Continuou se drogando sozinho, foi aumentando as doses e indo para drogas cada vez mais pesadas. Até ter uma overdose. 
Sua mãe lhe obrigou a voltar para casa e comer peixe todos os dias.
Pedro acabou mandando seu chefe tomar no cu e ganhou a conta. 
Agora passava as tardes trancado no quarto vendo vídeos pornôs. Sua mãe chegava as seis do tarde, ele ia dormir, acordava as duas para punheta da madrugada e depois voltava a dormir, só acordava as duas da tarde e repetia o dia anterior.
Sua mãe começou lhe encher o saco para arrumar um emprego e ele sentia falta das drogas. Trabalhou uma semana e ganhou a conta por ser preguiçoso demais.
Seu tio avô morreu. No velório viu que todos diziam “ele era uma ótima pessoa”, “todos gostavam dele”, “vai fazer falta imensa”. Ele sabia que seu tio avô era um pé no saco e ninguém suportava passar mais de 5 minutos falando com aquele velho ranzinza. 
Nas madrugadas entre um baseado e outro lhe surgiu o pensamento “se eu morrer finalmente todos irão gostar de mim”. Valia tudo para ser notado.
Entupiu-se de soníferos rindo e imaginando seu caixão rodeado de pessoas dizendo o quanto sentiriam a falta dele.
Morreu.
Apenas sua mãe foi no velório. 
Seria legal dizer “sua mãe e seu melhor amigo de adolescência estavam no velório, John o perdoou e iria sentir sua falta”. Mas convenhamos, a vida real não é assim, pessoas magoadas não perdoam tão fácil assim, apenas uma morte.
Quem diria, Pedro passou a vida toda tentando se encaixar nos padrões e apenas se encaixou perfeitamente em um caixão. Um frio e solitário caixão.

Comentários

  1. E o que ele poderia ter feito? Ter se importado apenas com quem importa

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